Contos de fadas, matéria-prima para a imaginação

Era Halloween e lá estava eu lendo “Contos dos Irmãos Grimm”, da psicanalista norte-americana Clarissa Pinkola Estés, quando comecei a enumerar os elementos de horror existentes nos contos de fadas. Há mutilações, maus-tratos, punições horrendas e crueldade de sobra para pessoas e animais.
Donzela sem mãos - detalheQuem está acostumado às versões mais recentes e bem mais amenas dessas mesmas histórias vai descobrir no livro que o universo dos contos de fadas pode render muitas tramas de terror e suspense. Eu mesma, como autora e também fã de histórias macabras, não faço diferente de outros escritores que aproveitam esse vasto material à disposição para criar as próprias obras.
Como não imaginar a minha versão sombria de Cinderela quando temos as duas filhas da madrasta decepando pedaços de seus pés para que caibam no sapatinho? Em “Contos dos Irmãos Grimm”, elas ainda têm os olhos furados pelos pássaros amigos da heroína…
Por falar em olhos, o príncipe da Rapunzel também recebe sua cota de maldade. Ao descobrir que a amada não está mais na torre, expulsa pela bruxa, ele se joga lá de cima e cai sobre um arbusto cheio de espinhos, que lhe rasgam os olhos. Desesperado, ele vaga sem destino até encontrar o final feliz.
Continuar lendo

Inspiração que vem do folclore russo

Era uma vez uma jovem que foi enviada pela madrasta má para morrer congelada na floresta durante um rigoroso inverno. Como é gentil com Morozko, um ser fantástico do frio e da neve, a jovem sobrevive e ainda recebe dele um baú com tesouros.

baba yaga 8

Numa segunda história, uma donzela feita de gelo descobre o amor e, por isso, derrete sob o calor da primavera. Em outras narrativas, quem se destaca é um perigoso vilão que se tornou imortal ao guardar sua alma dentro de uma agulha, que está em um ovo, que por sua vez foi colocado numa lebre, que mora numa caixa, que se esconde numa árvore, que existe em alguma ilha por aí.
Há ainda outros personagens, como os pequeninos e tímidos espíritos guardiões que, por tomarem conta de lares, pátios e casas de banho, nos fazem pensar nos elfos domésticos do universo de Harry Potter.
Nas florestas, vivem criaturas com cara e corpo de árvores gigantes, prontas para proteger a fauna e a flora contra qualquer perigo. Nos rios, espíritos de donzelas afogadas agem igual a sereias, atraindo os homens para a morte. No céu, o pássaro de fogo parece estar sempre em chamas, com suas penas que jamais perdem o brilho. Nos campos e nas cidades, duas senhoras mal-intencionadas agem em horários bem específicos: a dama do meio-dia, que causa insolação, e a dama da meia-noite, responsável por provocar pesadelos em crianças.
Embora todo esse pessoal tenha espaço para brilhar, ninguém alcançou tanta fama quanto Baba Yaga, a poderosíssima bruxa da floresta com apetite por carne humana e muita preguiça para fazer tarefas domésticas, em geral entregues às heroínas ingênuas que costumam bater à porta de sua casa suspensa por dois pés de galinha.
Continuar lendo

Elas são Scarlett O’Hara

Fã de cinema antigo, com certeza, já ouviu falar de Scarlett O’Hara, a protagonista do clássico “… E o vento levou”, filme de 1939 que é uma adaptação para a telona de um livro com o mesmo título, escrito por Margareth Mitchell. Mas se você nunca ouviu falar da história nem da personagem, vale investir numa pesquisa em um site de buscas.

scarlett_ohara_01

Comece pelo contexto em que viviam os Estados Unidos nos anos 1860, em especial o sul do país. Depois passe para a temática escravidão, os motivos que levaram à Guerra de Secessão e, por fim, descubra a saga épica que envolveu as filmagens de “… E o vento levou”, desde o tremendo desafio de escolher quem interpretaria Scarlett até as trocas de diretor, as disputas nos bastidores, um incêndio real, o mau hálito do galã…
Daí você pensa: “O filme deve ter sido um desastre”. Ledo engano. Ele faturou vários Oscars, inclusive o de melhor filme, e foi uma das maiores bilheterias do cinema. É clássico dos bons, do tipo reverenciado por gerações. E muito desse sucesso se deve à sua protagonista.
Continuar lendo

Sob o sol da floresta de Sherwood

DoctorWhoS8E3

Um episódio no melhor estilo “Onze homens e um segredo”. Outro, de suspense. O seguinte, aquela aventura cheia de emoção. Depois, terror para dar pesadelos durante a madrugada. E assim as possibilidades vão se misturando em um único universo considerado ficção científica.
Essa alternância de possibilidades é uma das estratégias da cultuada série “Doctor Who”, que comecei a assistir a partir da quinta temporada. Ela permite renovar e reinventar fórmulas que, em diferentes combinações, fazem de tudo para evitar o desgaste natural de um seriado com mais de cinquenta anos de existência.
O mais curioso foi perceber como eu mesma utilizo esse tipo de mistura na minha série “A Caverna de Cristais”, lançada como e-book pela Rocco Jovens Leitores. Mas a ficha só caiu mesmo quando vi juntos, no mesmo episódio, o Doctor e o arqueiro por quem sou apaixonada desde a adolescência: Robin Hood.
Continuar lendo

O direito de escolher o próprio final feliz

Geni Souza (*)

Depois do susto e da emoção com o convite da Helena Gomes para participar da coleção Contos e Contadoras, veio o momento de criar o segundo volume, Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa – Contos de fadas para pensar sobre o papel da mulher, que escrevemos juntas. A proposta era reunir neste livro nossas adaptações de contos de fadas que tivessem elementos para o leitor refletir sobre a situação da mulher.
Durante o processo de criação, por muitas vezes pude perceber que até eu mesma caía em armadilhas de estereótipos ou características de personagens já estabelecidos. Sempre gostei de escrever e reescrever, mas nunca tive antes esse contato com a realidade através dos contos de fadas. As histórias estavam ali, por inteiro, e eu achando que não tinha mais nada para falar sobre o assunto. Mas tinha! E como tem!

Continuar lendo

Uma sardinha na brasa

Tutelada pelos homens através dos tempos, a mulher ainda hoje luta para reafirmar sua liberdade, apesar das conquistas obtidas nas últimas décadas. Em várias situações, sofre preconceitos e é vítima de violência simplesmente por ser mulher.
Nos contos de fadas, ela é a filha obediente ao pai, a esposa que nem sempre pode escolher o marido, a mãe sofredora, a madrasta malvada, a avó bondosa… Ou ainda a detentora de poderes mágicos que podem ser usados tanto para o bem quanto para o mal.

Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa_CAPA1
O livro “Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa”, escrito por mim e por Geni Souza, reconta textos que mergulham no universo feminino. Segundo volume da coleção “Contos e Contadoras”, da editora Biruta, traz uma ótima oportunidade para refletirmos sobre os vários papéis da mulher na sociedade, seus questionamentos e, principalmente, a busca por sua identidade como ser humano.

Continuar lendo

Quando um conto encontra outro

Em voz alta, leia o mais rápido que puder e, sem pegar fôlego, assobie ao final:

“Hoje é domingo
Canta o pintassilgo
Pintassilgo é dourado
Não tem sela nem cavalo
É uma burrinha cega
Que vai daqui a Castela
De Castela a castelão
Minha avó me deu pão
Pra mim e pro meu cão
Meu cão não está aqui
Está debaixo do navio
Dá-lhe vento, dá-lhe frio
Ele toca o assobio”

E então? Conseguiu?

Continuar lendo

As vantagens invisíveis de ser você mesmo

Suicídio.

Uma palavra temida e preocupante apenas por ela mesma.

Se na vida real traz sofrimento em tantos sentidos, na ficção é um recurso – e dos bons – para os autores. Que o diga Jasmine Warga em seu romance de estreia, Meu coração & outros buracos negros.

vantagens

A autora norte-americana foi além da utilização do tema como costumeiro ponto de partida ou de encerramento ao transformá-lo em fio condutor e quase um personagem em sua história. Nela, a jovem e problemática Aysel não aguenta a própria existência e não consegue se comunicar nem consigo mesma.

Continuar lendo

As várias possibilidades do medo

Um susto. Ou aquele calafrio gelado, que arrepia até a alma. Quem sabe, o horror que se cola às nossas vísceras, nos deixa mais irracionais do que já somos, injeta adrenalina em altíssima potência.

Somente em momentos assim, em que a própria sobrevivência está ameaçada, as pessoas revelam o melhor e o pior de si. Quando conhecemos de verdade heróis e vilões.

Claro que não seria diferente na ficção. Matéria-prima básica para toda e qualquer trama, o medo é um daqueles elementos indispensáveis que nenhum escritor, roteirista ou contador de histórias pode correr o risco de menosprezar.

Continuar lendo

De volta para o futuro: Marty McFly e outros viajantes do tempo

Há mais de trinta anos, eu embarcava na minha primeira viagem no tempo. Claro que eu tinha visto outras viagens desse tipo na adorada série de TV da minha infância, “O túnel do tempo”, e também em filmes, como o primeiro “O exterminador do futuro” e a produção cult de 1960 “A máquina do tempo”. Agora, embarcar mesmo, para valer, de mala, cuia e muita imaginação, só aconteceu em 1985.

cartaz-filme-de-volta-para-o-futuro

Na época, eu era adolescente e já apaixonada por filmes. Lembro que saí do cinema me sentindo igual ao personagem Marty McFly: ele acabava de vir de uma fascinante viagem a 1955, onde conheceu seus pais ainda jovens, arrumou muita confusão, apresentou-se numa banda tocando guitarra, resolveu os problemas para melhor e, com a ajuda de um cientista exagerado, conseguiu sobreviver ao engenhoso clímax principal do filme para regressar ao seu momento presente, em 1985. Diga-se de passagem, um clímax que para mim ainda é uma obra-prima.

Continuar lendo